A vida ensina
Se você pensa que sabe; que a vida lhe mostre o quanto não
sabe. Se você é muito simpático mas leva meia hora para concluir seu
pensamento; que a vida lhe ensine que explica melhor o seu problema, aquele que
começa pelo fim.
Se você faz exames demais; que a vida lhe ensine que doença
é como esposa ciumenta: se procurar demais, acaba achando. Se você pensa que os
outros é que sempre são isso ou aquilo; que a vida lhe ensine a olhar mais para
você mesmo.
Se você pensa que viver é horizontal, unitário, definido,
monobloco; que a vida lhe ensine a aceitar o conflito como condição lúdica da
existência.
Tanto mais lúdica quanto mais complexa. Tanto mais complexa
quanto mais consciente. Tanto mais consciente quanto mais difícil. Tanto mais
difícil quanto mais grandiosa. Se você pensa que disponibilidade com paz não é
felicidade; que a vida lhe ensine a aproveitar os raros momentos em que ela (a
paz) surge.
Que a vida ensine a cada menino a seguir o cristal que leva
dentro, sua bússola existencial não revelada, sua percepção não verbalizável
das coisas, sua capacidade de prosseguir com o que lhe é peculiar e próprio,
por mais que pareçam úteis e eficazes as coisas que a ele, no fundo, não soam
como tais, embora façam aparente sentido e se apresentem tão sedutoras quanto
enganosas. Que a vida nos ensine, a todos, a nunca dizer as verdades na hora da
raiva.
Que desta aproveitemos apenas a forma direta e lúcida pela
qual as verdades se nos revelam por seu intermédio; mas para dizê-las depois.
Que a vida ensine que tão ou mais difícil do que ter razão, é saber tê-la. Que
aquele garoto que não come, coma.
Que aquele que mata, não mate. Que aquela timidez do pobre
passe.
Que a moça esforçada se forme. Que o jovem jovie.
Que o velho, velhe. Que a moça, moce. Que a luz, luza. Que a
paz, paze.
Que o som, soe. Que a mãe, manhe. Que o pai, paie. Que o
sol, sole. Que o filho, filhe. Que a árvore, arvore.
Que o ninho, aninhe. Que o mar, mare. Que a cor, core. Que o
abraço, abrace. Que o perdão, perdoe.
Que tudo vire verbo e verbe. Verde. Como a esperança. Pois,
do jeito que o mundo vai, dá vontade de apagar e começar tudo de novo.
A vida é substantiva, nós é que somos adjetivos.
Artur da Távola (1936-2008) era jornalista, cronista,
escritor, radialista, professor, formado em Direito, foi um dos fundadores do
PSDB e exerceu mandatos como deputado estadual, federal e senador da República.
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